A dialogicidade no processo pedagógico
(Edemir Fernandes Bagon)
De acordo com André Petitat[1],
no mundo ocidental, os colégios modernos, tanto protestantes como católicos,
inventaram uma cultura escolar disciplinante e burguesa, em oposição às
práticas educativas medievais. No período colonial brasileiro, essa “cultura
escolar disciplinante e burguesa” havia sido praticada nos colégios jesuíticos,
a partir das determinações da Ratio Studiorum [2]
– o método de ensino da Companhia de Jesus elaborado na segunda metade do
século XVI e oficializado em 1599 (DALLABRIDA, 2001b). Com a emergência do
Estado educador, sobretudo a partir do século XIX, os sistemas públicos de
ensino apropriam-se e reinventam a cultura escolar disciplinar e burguesa
criada pelos colégios religiosos na Idade Moderna, dando-lhes uma formatação
nacional.
Desde o final do século XIX, o Colégio Pedro II e boa parte dos colégios confessionais de ensino secundário – masculinos e femininos – reintroduziram o caráter educativo e a regulação escolar e contribuíram desta forma, com o processo de “modernização à européia” no Brasil. Nos anos 50 e 60 do século XX, os manuais de gramática e antologia integraram-se em um só exemplar. A princípio o livro era constituído por duas partes distintas. A primeira metade era a gramática da língua, a segunda metade uma antologia. É importante salientar que a concepção de língua que o ensino do Português adotava nesse período era o conhecimento de língua como sistema. Ensinar Português significava ensinar a conhecer ou reconhecer o sistema linguístico.
Nos anos 50 do século XX, a escola atendia preferencialmente às camadas privilegiadas da população. Logo, os alunos desta classe iam para as aulas de Português apresentando de antemão o domínio da "norma padrão culta". Com efeito, o objetivo do ensino da Língua Portuguesa estava voltado para o conhecimento ou reconhecimento das regras de funcionamento da norma culta, ou seja, o ensino da gramática e leitura de textos literários. Essa prática de ensino da Língua Portuguesa foi usada desde os tempos da Colônia, limitando-se o ensino da Língua Portuguesa à alfabetização, pois poucos continuavam seus estudos. Essa minoria de alunos que prolongava a sua escolaridade passava da alfabetização em Língua Portuguesa ao ensino da gramática da Língua Latina, da retórica e da poética.
Com a democratização, ou a massificação do acesso à escola, ocorrida nos anos 60 do século XX, significativas mudanças no contexto escolar e no ensino das disciplinas foram observadas, uma vez que a população menos privilegiada socialmente passou a ter acesso ao saber escolar. Com o ingresso de uma nova clientela que não dominava a “norma padrão culta”, mas dominava variedades lingüísticas, diferentes daquela usada no ensino de Português, o ensino da Língua Portuguesa passou a ser objeto de reflexão e possíveis propostas de mudança. Aproximadamente até o final de 1960, a escola brasileira ainda sugeria a literatura como o padrão de norma lingüística a ser seguido[3]. Os livros didáticos produzidos nessa época conservavam textos e fragmentos de autores considerados clássicos. A gramática normativa apresentava suas regras e, para exemplificá-las, utilizavam-se também dos clássicos. Com o passar do tempo, o nome atribuído à disciplina responsável pelo ensino da língua materna e literatura passou por várias mudanças.
A disciplina, até o final dos anos 60 do século XX, era denominada Português e seu ensino convergia para a gramática normativa, retirando-se dos clássicos os bons exemplos a serem seguidos e as exceções virtuosas. Esta ideia mostra de forma clara a relação existente entre a norma culta da língua e a linguagem literária clássica, ou seja, a concepção de que ensinar normas de bom comportamento linguístico, saber a língua, era sinônimo de conhecimento de suas regras e exceções. Com a Lei n° 5692/71[4], a denominação da disciplina escolar Português ou Língua Portuguesa passou a ser Comunicação e Expressão nas quatro primeiras séries do 1° grau, e Comunicação em Língua Portuguesa, nos quatro últimos anos do 1° grau. No 2° grau a denominação da disciplina passou a ser “Língua Portuguesa e Literatura Brasileira". Ressaltavam-se o valor da língua para a construção do patriotismo entre os alunos e seu caráter instrumental na busca da expressão da própria cultura.
Desde o final do século XIX, o Colégio Pedro II e boa parte dos colégios confessionais de ensino secundário – masculinos e femininos – reintroduziram o caráter educativo e a regulação escolar e contribuíram desta forma, com o processo de “modernização à européia” no Brasil. Nos anos 50 e 60 do século XX, os manuais de gramática e antologia integraram-se em um só exemplar. A princípio o livro era constituído por duas partes distintas. A primeira metade era a gramática da língua, a segunda metade uma antologia. É importante salientar que a concepção de língua que o ensino do Português adotava nesse período era o conhecimento de língua como sistema. Ensinar Português significava ensinar a conhecer ou reconhecer o sistema linguístico.
Nos anos 50 do século XX, a escola atendia preferencialmente às camadas privilegiadas da população. Logo, os alunos desta classe iam para as aulas de Português apresentando de antemão o domínio da "norma padrão culta". Com efeito, o objetivo do ensino da Língua Portuguesa estava voltado para o conhecimento ou reconhecimento das regras de funcionamento da norma culta, ou seja, o ensino da gramática e leitura de textos literários. Essa prática de ensino da Língua Portuguesa foi usada desde os tempos da Colônia, limitando-se o ensino da Língua Portuguesa à alfabetização, pois poucos continuavam seus estudos. Essa minoria de alunos que prolongava a sua escolaridade passava da alfabetização em Língua Portuguesa ao ensino da gramática da Língua Latina, da retórica e da poética.
Com a democratização, ou a massificação do acesso à escola, ocorrida nos anos 60 do século XX, significativas mudanças no contexto escolar e no ensino das disciplinas foram observadas, uma vez que a população menos privilegiada socialmente passou a ter acesso ao saber escolar. Com o ingresso de uma nova clientela que não dominava a “norma padrão culta”, mas dominava variedades lingüísticas, diferentes daquela usada no ensino de Português, o ensino da Língua Portuguesa passou a ser objeto de reflexão e possíveis propostas de mudança. Aproximadamente até o final de 1960, a escola brasileira ainda sugeria a literatura como o padrão de norma lingüística a ser seguido[3]. Os livros didáticos produzidos nessa época conservavam textos e fragmentos de autores considerados clássicos. A gramática normativa apresentava suas regras e, para exemplificá-las, utilizavam-se também dos clássicos. Com o passar do tempo, o nome atribuído à disciplina responsável pelo ensino da língua materna e literatura passou por várias mudanças.
A disciplina, até o final dos anos 60 do século XX, era denominada Português e seu ensino convergia para a gramática normativa, retirando-se dos clássicos os bons exemplos a serem seguidos e as exceções virtuosas. Esta ideia mostra de forma clara a relação existente entre a norma culta da língua e a linguagem literária clássica, ou seja, a concepção de que ensinar normas de bom comportamento linguístico, saber a língua, era sinônimo de conhecimento de suas regras e exceções. Com a Lei n° 5692/71[4], a denominação da disciplina escolar Português ou Língua Portuguesa passou a ser Comunicação e Expressão nas quatro primeiras séries do 1° grau, e Comunicação em Língua Portuguesa, nos quatro últimos anos do 1° grau. No 2° grau a denominação da disciplina passou a ser “Língua Portuguesa e Literatura Brasileira". Ressaltavam-se o valor da língua para a construção do patriotismo entre os alunos e seu caráter instrumental na busca da expressão da própria cultura.
Para João Wanderlei Geraldi, ao longo da década de 80 (período de redemocratização política no país), o ensino da língua portuguesa foi “objeto de um esquadrinhamento cujos resultados constituem hoje uma extensa bibliografia”. As perspectivas teóricas no campo da história e da sociologia que foram empregadas nos estudos da linguagem, já na década de 60, trouxeram à luz um debate relevante do ponto de vista do conhecimento: a importância do pensamento e da linguagem na construção do saber ou dos saberes. Segundo Geraldi, sem linguagem a relação pedagógica inexiste; sem linguagem, a construção e a transmissão de saberes são impossíveis. Sem interação verbal não há conhecimento verdadeiro. Portanto, a questão do sujeito se torna fundamental nesse contexto.
Em outras palavras, ler – escrever – falar são ações que
implicam alguém que produz. Desse modo, poderíamos pensar em dois tipos de
sujeito: a) um sujeito que transmite a outros sujeitos, apropriando-se da língua,
atualizando-a no seu dizer seus pensamentos (ou mensagens); b) um sujeito,
produto do meio, da herança cultural e das ideologias que fazem do indivíduo um
mero preenchimento de um lugar social reservado pela estrutura ideológica que
define o dizível. Mas, sobretudo, na noção de interação verbal, na qual a
palavra é confrontada, se forma e se conforma, e as compreensões passam a ser
construídas – e, embora “o sujeito seja um produto da herança cultural (ao
mesmo tempo em que repete atos e gestos), ele constrói novos atos e gestos, num
movimento histórico no qual repetição e criação andam sempre juntas”.
Nesse
sentido, no processo de ensino-aprendizagem da língua materna são os saberes do vivido[5] trazidos por professores e alunos que
devem dialogar em sala de aula, sendo confrontados com outros saberes
denominados “conhecimentos”. A dialogicidade constante e o abandono de crenças,
quer por parte do professor, quer do aluno, resultam numa renovação das
práticas pedagógicas. Assim, cabe ao educador compreender e aceitar o papel da
interação verbal como fundante do processo pedagógico. Isso significa dizer que
mediar o conhecimento de regras gramaticais ou da norma culta / padrão não é o
mesmo que reproduzir um discurso de uma “elite cultural e dominante”, mas sim
detectar dialogicamente os elementos próprios do processo de produção e
normatização. São os textos orais e escritos o lugar de entrada para esse
diálogo. Dessa forma, os educandos se tornam leitores e produtores de textos –
como participantes ativos.
Bibliografia
Aprender
e ensinar com textos / coordenadora
geral Ligia Chiappini. – 2ª. Ed. – São
Paulo: Cortez, pp. 17-24-94.
Cadernos de
História da Educação - nº. 3 - jan./dez. 2004 65 A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA DISCIPLINA ESCOLAR LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL
DALLABRIDA,
Norberto. Moldar a alma plástica da
juventude: a Ratio Studiorum e manufatura de sujeitos letrados e católicos.
Educação UNISINOS – Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio
dos Sinos. São Leopoldo,
v. 5, n. 8, p. 133-150, 2001b
LOUZADA, M. S.
O. A interação Língua e Literatura na
perspectiva dos currículos. In: GREGOLIN, M. R.
V. LEONEL, M. C. M. (orgs.) “O que quer, o que pode ser esta lingual?”
Araraquara-SP:UNESP, pp.45 - 53.
PETITAT, André.
Produção da escola/produção da sociedade:
análise sócio-histórica de alguns momentos decisivos da evolução escolar no
Ocidente. Porto Alegre: Artes Médicas, pp .76-102. 1994.
[1] PETITAT, André. Produção da escola/produção
da sociedade: análise sócio-histórica de alguns momentos decisivos da evolução
escolar no Ocidente. Porto Alegre: Artes Médicas, pp.76-102. 1994.
[2] Método de ensino da Companhia de Jesus
elaborado na segunda metade do século XVI e oficializado em 1599.
[3] Os livros didáticos produzidos nessa época
conservavam textos e fragmentos de autores considerados clássicos. (In: Cadernos
de História da Educação - nº. 3 - jan./dez. 2004 65 A)
[4] A Lei 5692/71 falava da necessidade de se dar especial
atenção à Língua Nacional, pois era um “instrumento de comunicação e expressão da cultura brasileira”
[5] Geraldi,
J. W. Da redação à produção de textos.
In: Aprender e Ensinar com textos dos alunos.
P. 21, Ed. Cortez, 1998.
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